segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A Roda D'Água


Sempre fui curiosa e destemida. Bem, curiosidade e medo são antípodas mesmo; mutuamente excludentes. Pois testei meus limites naquela tarde estival, em que fazia artes, sozinha. Conto já a história.
 
Estava no curral a catar lírios-do-brejo para pôr na jarra. Trabalho inútil, eu sabia. Os lírios são lindos e perfumados no pé; na jarra murcham logo, fenecem. Gostava do aroma, mas tinha cisma. Maria de Paula, nossa empregada da cidade, tinha me dito que o perfume dos lírios dava-lhe dor de cabeça; tinham enfeitado o caixãozinho branco de seu irmão que morrera pequenino. Êta Maria danada! Estragando o perfume dos meus lírios com suas histórias tristes.
 
Os lírios cresciam em volta de todos os cursos d’água que alimentavam a hidrelétrica que Pai Chico construíra pra resolver o problema de energia da Lagoa Grande. Naquele tempo vivíamos à luz de lampiões. Fui seguindo os cursos d’água – eram todos construídos por Pai Chico – e cheguei à parte mais bonita: o tobogã de cimento que levava o último e violento jorro à roda d’água. O tobogã era lindo, verdinho com seu tapete de lodo, folhagens caindo sobre a água, e a roda, ai meu Deus, a roda girando tão depressa que parecia uma roda branca flutuando no ar. Pisei no tobogã desavisadamente pra colher os lírios e escorreguei no lodo. Tudo aconteceu num átimo de segundo. Tentava me segurar metendo os calcanhares no lodo, mas não tinha onde firmar, e eu descia, descia com as mãos cheias de ramas de São Caetano, onde tentara me agarrar, desesperada. Ai, eu vou virar picadinho de Eliana, vou virar fubá, e eu descia, cada vez mais veloz, a bundinha verde, os cotovelos ralados e verdes, e eu chegava perigosamente perto da roda assassina. Foi quando, por instinto, me agarrei a costelas de Adão, veneno puro, dizia mamãe, melhor morrer lentamente que assim sozinha na roda d’água. Eu ia desaparecer e nunca ninguém daria notícia de mim. Gritar? O barulho da água era ensurdecedor, não tinha serventia gritar, ou me salvava ou seria picada na roda e moída na mó. As costelas de Adão eram fortes, foram o freio salva-vidas na undécima hora. Saí verde e com os joelhos trêmulos, jurei nunca mais chegar perto da roda d’água e cumpri. Bem, chegar perto eu cheguei, só nunca mais tornei a por o pé no lodo.
 Mais uma crônica de Eliana Teixeira
Bem se vê que a danadinha aprontava das suas, na fazenda Lagoa Grande. Ai, ai, ai, menina! 

4 comentários:

  1. Linda crônica e sempre bom ler coisa assim, lindas e leves! beijos,chica

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  2. Qual a razão de vc postar isso hoje, já que faz um tempão que a Eliana postou isso?

    Beijuxxxxxxxxxxxxxxxxxxx...

    KK

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  3. Oi flor!!!!

    Que delícia de crônica!!!!

    Lembrei de tantas férias no engenho do meu avô... Ê saudadeeeee!

    Beijos

    Selma

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  4. Com todas estas descrições ficou muito interessante esta descida para a morte e claro bem humorada.
    Parabens para a Eliana,rsrs.
    Um abração.

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