Quando o sol invadiu as frestas da janela do quarto de Matilde, José Bernardo já estava a dar-lhe um beijo na testa, pronto para sair para o trabalho. Ela abriu apenas um olho, balbuciou um bom dia e virou-se para o outro lado. Ainda tinha um bom tempo de sono, como era de costume. Era o sono da beleza, como dizia para as amigas. Queria dormir mais um pouco para estar bem disposta ao anoitecer.
Sábado, dia de fazer faxina e de levar as crianças para a casa da avó. José Bernardo, como proprietário de um supermercado, trabalhava até tarde, mas quando chegava em casa a festinha particular era a garantia de uma ótima noite.
Quando se conheceram foi amor à primeira vista. Ela, muito linda e com uma cinturinha de pilão de fazer inveja, conquistou de vez aquele rapaz empreendedor que desde novo já comandava um pequeno mercado. Hoje transformou o pequeno mercado num supermercado, grande o suficiente para dar uma vida confortável à família.
As filhas estudavam em colégio particular, o melhor da cidade, e também faziam inglês, balé e natação. Matilde ficava por conta da casa. Gostava desse ofício e tinha orgulho de dizer que sua profissão era "do lar". Gostava de arrumar, lavar, passar, cozinhar, cuidar... Tinha prazer quando chegava alguma visita e elogiava o capricho e o perfume que sempre deixava a casa. Apesar de ser formada em Serviço Social optou por não seguir carreira. Tinha marido e era feliz. Isso lhe bastava.
Especialmente no sábado ela caprichava um pouco mais. Margaridas naturais na mesa da sala e rosas vermelhas no quarto para perfumar a noite.
Ah, as noites de sábado... Tão esperadas e tão especiais, desde que se casaram.
José Bernardo era sisudo, ranzinza e mal humorado. Mas no sábado se transformava num "sex machine". Esse detalhe ela não contava para ninguém! Contar sobre sua vida íntima para as amigas só provocaria a curiosidade e não queria correr o risco de alguma mais afoita querer saber e provar se era mesmo verdade o que ela dizia. Só ouvia o que as amigas contavam dos maridos, ficava horrorizada e se calava quando chegava sua vez de entregar o ouro. Às vezes contava que sempre era a mesma coisa, o básico do básico, papai-e-mamãe e depois o marido virava para o lado e já roncava num sono profundo. É claro que elas ficavam inconformadas, mas Matilde dizia que estava bem assim, pois não gostava muito de sexo.
No começo da noite as filhas já estavam prontas com suas mochilas e felizes por irem passar um dia na casa da vovó. Matilde, ansiosa, esperava a noite de sábado. Ah, o sábado!
De volta, Matilde se enfiou debaixo da ducha e ficou por horas se preparando. Serviço completo com esfoliação, depilação e por fim um óleo bifásico espalhado pelo corpo. Pele macia, cheirosa, era o que o amor adorava. Depois colocou uma lingerie preta, com sutiã estruturado, todo rendando, fazendo conjunto com uma calcinha minúscula fio dental e por cima um robe preto transparente, de tecido fino e delicado. Os cabelos, apesar de curtos, eram ajeitados com um mousse e na nuca, nos punhos e atrás dos joelhos apenas umas gotinhas de um perfume francês que ganhara de presente de aniversário. Suave, discreto, mas que fazia presença quando José Bernardo encostava o nariz tentando tirar todo o cheiro do corpo da mulher amada.
A cama tinha todo o capricho com um lençol branco de cetim, muitos travesseiros, todos com fronhas brancas bordadas delicadamente de vermelho. Tudo para combinar com as rosas vermelhas que já perfumavam o ambiente.
Matilde ouve tocar a campainha. Mas quem seria? Será que o marido esqueceu as chaves? Correu para o interfone e perguntou quem era. Só faltava ser visita em pleno sábado. No sábado não! O sábado era só dela e do marido! A desculpa que sempre dava era que José chegava muito cansado e só queria cama. Por sorte era apenas um entregador com uma encomenda do marido. Voltou e colocou um vestido por cima de sua produção sensual para atender a porta. Um sorriso safado lhe estampou o rosto quando viu que era uma cesta de vinhos e queijos com duas taças de cristal, uma tábua com vários tipos de queijos, todos cortados como se fossem biscoitinhos e um vinho tinto, português, que ela adorava!
Olhou no relógio e viu que o marido já estava quase chegando. Se sentou na cama e começou a ler um livro. Adormeceu. Acordou assustada com o barulho do carro entrando na garagem. Finalmente José Bernardo já estaria em seus braços levando-a ao delírio secreto.
Ele entrou, colocou o casaco e a pasta em cima do sofá e foi direto para o quarto. Matilde estava ansiosa pois a primeira olhava que ele lhe dava dizia tudo! Era excitante ver seu homem sentir desejo por aquele corpo não tão jovem. E foi o que fez. Ele entrou, olhou para a mulher, mordeu o lábio inferior e começou a tirar a roupa. Depois se jogou em cima dela e começou a devorá-la num sexo suave seguido de um selvagem. Sem preliminares naquele dia.
Mais uma vez ela sentiu seu perfume e percebeu que ele já havia tomado banho. O cheiro do sabonete barato não encobria o hálito azedo de bebida que exalava de sua boca fazendo com que ela virasse o rosto para o lado disfarçando sua ânsia de ter que tolerar um provável beijo nojento. Enquanto ele se fartava, Matilde discretamente percebeu um chupão em seu pescoço. E mais abaixo, na costas, um arranhado discreto. Continuou o sexo, sem sentir prazer. Era a hora de fingir que o sábado era realmente especial para ela. Ele, por sua vez, caprichava como podia, pensando que era o homem da vida de Matilde. E ela, fingia, sem sentir orgasmo, pensando que era apenas uma dona de casa na vida de José Bernardo.
Depois de alguns minutos ele sai de cima da mulher, vira para o lado e já está praticamente dormindo, roncando, como um porco gordo e nojento. Matilde fica olhando para o marido sem entender porque ele fazia isso com ela. Era boa esposa, carinhosa, educada, prendada, ótima mãe e fazia todos os gostos dele. Não brigava, não discutia e sempre obedecia. O que mais um homem poderia querer de uma mulher?
Bem, pelo menos ela tinha casa, família, filhas lindas, marido que a sustentava e sexo no sábado. O que mais ela poderia querer de um homem?
Matilde, conformada com a vida, abriu o vinho, brindou com a outra taça vazia e se deliciou com os queijos. Qual seria a surpresa que ele lhe faria no próximo sábado? Deitou, zonza, depois de beber toda a garrafa e adormeceu.
Fim.