domingo, 27 de julho de 2014

Maçã de Ouro

Me dá água na boca só de olhar...
Para uns pode parecer bobeira, mas para quem passa por situações fica a marca como cicatriz. Captamos situações na infância, absorvemos o que sentimos e levamos conosco por toda a vida.

Quando ainda era pequena, aliás, a lembrança mais remota que tenho da infância é quando tinha quatro anos, sempre brincava sozinha, conversando muito com bonecas; coisa de criança mesmo. E como era pequena minha mãe sempre me levava consigo em todos os lugares.

Um dos lugares era a feira livre. Ah, para mim era um encanto! Aquele monte de gente, aquele cheiro de frutas, todos comprando - ainda não tinha noção do valor do dinheiro - todos com sacolas lotadas e eu com os olhinhos curiosos observando tudo, de mãos dadas com mamãe. Me encantava todo aquele movimento num só lugar. Feirante gritando, caixas sendo carregadas a toda hora, uma grande variedade de produtos, cheiros diversos, cores intensas... Uma rua livre de trânsito de carros, só com barracas e gente falando, gritando, andando. Não entendia nada e minha mãe só puxava minha mão para andar rápido, pois já sabia o que e onde comprar.

De tudo que tinha o que mais me chamava a atenção eram as maçãs. Deus do céu, que aroma inesquecível, que vermelho lindo, todas separadas com papéis roxos... Hmmmm, só de lembrar me dá água na boca. Acho que criança é como mulher grávida, tem que comer exatamente aquilo senão não vale.

E minha criação era rígida: não podia conversar, não podia rir, não podia chorar, não podia pedir. Mas eu pedia assim mesmo. Todas as vezes eu pedia maçã na feira. Me lembro como se fosse hoje... E minha mãe só me respondia brava: Não! E continuava andando segurando minha mão para ver se eu me esquecia do vermelho luminoso da maçã.

Ficava de longe imaginando o seu sabor, como seria aquele gosto vermelho por fora e amarelado por dentro... Será que era doce? Por que será que minha mãe não comprava? Comprava só banana e laranja.

Para mim, na época, maçã era preciosa, cara, que só os ricos que tinham carro podiam comprar. Vida regrada, mas sem faltar nada. Tínhamos o básico e eu muita vontade de comer o que não tinha. Normal, creio eu, naquela época em que poucos tinham regalias e facilidades. 

O tempo passou. E nunca me esqueci daquela maçã vermelhinha da feira.

Quando comecei a trabalhar, aos 13 anos, uma das primeiras coisas que comprei foi... Maçã.

Gente, mas maçã, aquela preciosidade tão cara aos meus olhos, tão perfumada, e tão... Barata! Por que será que nunca compraram para mim? Porque não, oras! Se comprasse para mim teriam que comprar para a família toda. E aí ficaria caro. O dinheiro era contado para comprar o básico do básico. Hoje entendo perfeitamente aquela situação da família.

Na época não entendia, mas com o passar dos anos, e ainda me lembrando da maçã, uma pergunta não se calava em minha mente: como meu pai bebia praticamente todos os dias e minha mãe se arrumava em salão todas as semanas e nunca compraram sequer uma maçã para mim? Passou, tudo bem.

Hoje em minha casa ela é presença constante, dentre outras coisas, mas aquela maçã vermelhinha, perfumada e brilhante da minha infância, ficou só na lembrança... Nunca saberei o sabor.

Coisas da vida...

Texto publicado em 11 de julho de 2011 - Editado



13 comentários:

  1. Oi Alexandre, já fucei muito no seu blog tbm e gostei muito. Só não deixei comentários.
    Obrigada, e seja bem vindo!
    Eu tenho muita curiosidade pelo Japão e sua cultura.

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  2. As maças são sempre mais saborosas na nossa imaginação...
    Já fez essa pergunta à sua mãe?
    ;)

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  3. Diva, linda, eu já perguntei e ela não soube me responder, ou não quis...

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  4. Na minha casatambém só tinha banana e laranja (quando tinha)... eu também sempre achei que era por causa do preço... na verdade, acho que era... tudo bem, maçãs não são assim tão caras, mas bananas e laranjas são bem mais baratas, né?

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  5. Qdo vc ficar grávida e sentir aquelas vontades, vai ver que é igual vontade de criança. A gente não esquece. E maçã não era cara, poderiam ter comprado 1 pra mim.

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  6. Oi, Clara!
    Se a sua mãe soubesse o estrago que causou, teria te dado uma maçã para comer ali na rua mesmo! Engraçado como era a educação de antigamente... o marido era o rei e tudo era para ele primeiro! Havia uma hierarquia e os caçulas penavam!
    A única coisa que me lembro na minha infância sobre comidas era do mingau de aveia que eu odiava e que tudo vinha da roça. O que plantavam era o que comíamos.
    Me lembro da primeira vez que chupei uma laranja na casa de uma amiga, já que em casa só faziam sucos. A avó da minha amiga que me ensinou como fazer e ela achou absurdo eu não saber sequer segurar uma laranja (rs*). Também me lembro de quando comi Jatobá - essa fruta nunca mais vi.
    Beijus,

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    1. Naquela época havia hierarquia sim. Tudo muito correto, muito rígido, muitas regras e broncas sem motivo. A gente obedecia por medo e não por respeito. Ainda bem que amadurecemos e entendemos que eles nos passavam o que haviam recebido de educação. Sem muita informação fizeram o melhor pros filhos.
      Jatobá tem por aqui ainda, Luma, aquela fruta verde veludo que grudava nos dentes da gente.... hmmmm, não gostava muito não, mas comia muito!
      Infância maravilhosa com quintal enorme, muitas árvores, fabricação de brinquedos com espigas de milho e chuchu... minha infância foi extremamente rica de imaginação e liberdade.
      Beijos, querida!

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  7. Oi Clara,
    Pôxa que pena vc não ter provado a maçã quando criança...
    por mais que hoje vc possa comer quantas maças desejar, o sabor
    daquela fruta da infância, vc nunca saberá.
    Bjs e boa semana \o/

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    1. O sabor daquela nunca saberei, mas hoje ela não falta aqui em casa, graças a Deus!
      Boa semana pra vc também! Beijos

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  8. Olá,Boa noite, Clara
    sim, coisas da vida...sei que cada caso é um caso e podem ter semelhanças e a generalização só ofusca a compreensão. A meu ver, culpá los não será o caminho para transformar ou transcender o que gerou com a falta da maçã, mas talvez aceitar que eles,talvez,tiveram alguns motivos , no extremo , para agir dessa forma... Cabe a nós o entendimento e a busca da conscientização, pois sei que com o tempo começamos a perceber que tudo aquilo que por anos ficou muito bem guardado, começa de alguma forma a pedir, que precisa sair. É neste momento que lembramos situações nas quais passamos e enquanto criança não temos muitos recursos para nos defender, mas hoje adultos, podemos, e temos todo direito de sermos pessoas inteiras, felizes...por isso, com certeza, sua geladeira deve estar cheia de maçãs, né?
    Obrigado pelo carinho, bela semana, beijos!

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    1. Sim, hoje não falta maçã no nosso cardápio, graças a Deus! Outros tempos, outros recursos e tudo melhora, tudo facilita pra gente.
      Naquele tempo era tudo muito difícil mesmo, tudo muito regrado e dividido. Não foi ruim passar por isso, pois ensinei meus filhos a dividirem também o alimento. Isso faz parte de nosso cotidiano. Na época não entendemos, mas com o amadurecimento e com a responsabilidade de mãe, damos razão aos pais pelos gestos, Não por todas as atitudes, mas essas, mais doloridas, mais sofridas.
      Coisas da vida, menino...
      Beijos

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  9. Ainda me lembro bem delas, as vermelhas em papeis roxos e a verde em papeis branco. Eram fuxiqueiras denunciavam suas presenças, principalmente nos ônibus de minha infância.Eram frutas mas restritas aos mais abastados, a nós eram as goiabas, mangas, laranjas, mexericas, mamão, abacate, que todo quintal tinha,kkkkk. Mas sempre que meu pai viajava para a capital, ele trazia algumas para dividir na família.
    por isso creio que eram caras naqueles anos 60. Belas lembranças de uma fruta que hoje não cheira, não perfuma seu ambiente.
    Uma linda semana Clara.
    Meu carinhoso abraço amiga.
    Beijo

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    1. É isso mesmo, Toninho, naquela época era tudo muito difícil. E passar vontade de comer algo ficava pra eternidade. Ainda bem que os tempos mudam e tudo ficou mais fácil.
      Vc tem razão, as maçãs daquele tempo eram bem mais perfumadas do que as de hoje.
      Hoje fazem parte diária no meu cardápio, felizmente.
      Um abraço, meu amigo poeta...
      Beijos

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