quarta-feira, 27 de maio de 2015

Só Escuto Seus Olhos


      - Zé, preciso de você... Não tô bem e preciso conversar. Pode me encontrar agora, tô aqui na sorveteria perto de sua casa. Vem? - Com os olhos lacrimejando, Manu implorou para o amigo acudi-la.

      Menos de cinco minutos e Zé já estava sentado à sua frente, pronto a ouvi-la, pela enésima vez.

      Manu começou a ladainha amorosa de seu namoro eterno de oito anos, com Roni. Não aguentava mais a indiferença e falta de romantismo do namorado. Se conheceram ainda adolescentes e foi paixão arrebatadora que ultimamente nem estava tão arrebatadora assim. Manu sofria, pois pressentia que seus sonhos de princesa estavam por um fio. Tinha intimidade suficiente para confiar em Zé, seu amigo atencioso e carinhoso.

      Mal sabia ela que Zé, há algum tempo, enxergava-a de uma maneira mais intensa, mais íntima e apaixonada. Sempre que Manu tinha problemas, era com Zé que desabafava. E ele ouvia, ouvia, depois abraçava-a e pronto, tudo ficava bem. Cada um seguia seu caminho.

      Neste dia Manu estava linda, com os cabelos despenteados, boca minuciosamente desenhada com um batom vermelho e um perfume suave, que invadia o ar que Zé respirava. Enquanto ela reclamava de Roni, ele admirava-a, olhando cada detalhe de seu rosto, cada curva de seu queixo, nariz empinado, olhos pequenos e inquietos. Olhos negros, que não encaravam ninguém enquanto conversava. Gesticulava muito, dando a impressão de pedir ajuda às mãos para completar seu raciocínio.

      Zé nem ouvia seus lamentos, mesmo quando uma lágrima ou outra escorria pela bochecha. Calmamente ele passava o polegar de baixo para cima, como se quisesse devolvê-la aos olhos. E como brilhavam os olhos negros de Manu! Que otário esse Roni, pensava Zé, agora segurando uma das mãos de Manu. A outra permanecia livre, conversando com ele, junto com os lábios.

      Ela falava, ele ouvia e sorria: "Zé, tá me ouvindo? Tira esse riso da cara, pelo amor de Deus, é sério" - bravejava, nervosa. Vez ou outra ele assimilava "grosseiro" ou "esgotada", que ela balbuciava.

      Continuava reclamando e Zé concordava, acenando com a cabeça, mas com o pensamento naqueles lábios vermelhos, prontos para serem beijados com ternura. Uma lágrima escorreu, Zé enxugou-a com o polegar e continuou acariciando o rosto de Manu. Firmou seus dedos em torno da cabeça e deslizou o polegar pela bochecha e contornou seus lábios. Manu parou de falar e fitou na boca de Zé. Como um ímã, praticamente em movimentos lentos, as bocas entreabertas se grudaram num beijo suave, longo...

      Manu empurrou-o: "Você é meu amigo, e me beijou...." - puxou-o novamente e beijou Zé com mais intensidade, segurando seu rosto com as mãos, com receio dele escapulir e deixá-la no vazio...

      Zé, olhando nos olhos de Manu, disse-lhe que estava ali e que queria fazê-la feliz, como merecia ser. Que cuidaria, protegeria e nunca mais permitiria que nenhum ser humano arrancasse qualquer lágrima daqueles olhos pequenos. Manu, sem entender, abraçou-o e chorou.

      Em menos de seis meses já estavam casados, e depois de dois anos, nasceram as gêmeas Beatriz e Rita. Final feliz, reencontro inusitado, mas esperado.

      Fim.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Morreu Abreu


      Comoção no bairro, anúncio na rádio, alvoroço dos parentes e amigos: morreu Abreu. Estava trabalhando normalmente em seu pequeno comércio de secos e molhados, quando de repente caiu morto. Infarto fulminante. Tão novo e forte, mas não suportou essa rasteira traiçoeira.

      Muito querido por todos, sempre bom samaritano no quesito ajudar o próximo, não importando qual o próximo, desde que não seja os próximos de dentro de sua casa. Isso mesmo, mulher e filhos sempre ficavam em último lugar na lista de distribuição do sustento.

      Maria Emília, a viúva, casou-se por imposição dos pais, pois um dia pegou-os atarracados e com a braguilha da calça de Abreu aberta. Foi o cúmulo da indecência! Cidade pequena, já viu, não é? Seu Arnaldo, seu pai, preferia a morte do que ver a filha mal-falada na cidade. Cair na boca do povo era um crime bárbaro em seu conceito de pai de família e religioso ao extremo. Só beijou sua esposa, Dona Filomena mãe de Maria Emília, depois de casados. E sexo, só no escuro, com todo o respeito.

      Parecia carma de família, pois o pai de Maria Emília era grosseiro, tosco, estúpido, assim como seu marido, agora morto, Abreu. Pareciam pai e filho por se parecerem tanto e nos mínimos detalhes.

      Bem, mas agora Abreu era morto e nem sequer uma lágrima escorrera do lindo rosto, prestes a enrugar, de Maria Emília. Vestiu-se de preto, como manda os costumes, e de cara limpa, sem maquiagem, foi velar o corpo do defunto seu marido. Para disfarçar sua indiferença, um pouco de sombra escura em baixo dos olhos, como uma panda com insônia, ornava o quadro triste do velório no clube municipal da cidade.

      À medida em que ia se aprontando, lembranças visitavam sua mente. Não se lembrava quando fora o último beijo na boca recebido do marido. Era besteira e coisa de namorado, dizia ele, seco. Sexo, menos de cinco minutos e tudo estava resolvido. Não sabia nada dele, de seus amigos, seus risos, suas satisfações, nada! E ele, muito menos se interessava por conversas caseiras da mulher. Se estivesse tudo pronto e limpo, não passava de obrigação.

      Seus filhos, dois, Abmael e Abjeison, ainda eram pequenos e nada entendiam. Respeitavam Abreu por medo e não por amor. Não iriam ao velório por decisão da mãe, que agora tinha pátrio poder nas decisões que quisesse, a hora que quisesse. Abreu morreu e era sabido que um gordo seguro de vida esperava para ser sacado. Precisou morrer para dar conforto à família. Maria Emília sabia que os parentes viriam como urubus, esperando uma boquinha livre nesse seguro. Mas, apesar de quieta, sabia se defender muito bem. Não queria conversa com ninguém e o que Abreu já havia ajudado a todos era o suficiente para não perturbá-la mais. Cortaria relações, pela raiz, para poder finalmente ter sossego e poder falar de seus sonhos, suas vontades, seus desejos... E se Deus permitisse, não ficaria viúva por muito tempo. Logo mudaria seu estado civil para casada, ou seja, muito bem casada. Com quem? Com quem ela escolhesse.

      Ainda se olhando no espelho e fazendo caras e bocas para a encenação cadavérica de viúva sofredora e solitária, resolveu passar um perfume doce. E muito doce para que não a abraçassem tanto. Queria ficar quieta num canto, sem conversar e sem entrar na hipocrisia de transformar Abreu num santo. A essa hora já o endeusavam pelos quatro cantos da cidade. Como voam as notícias!

      Um irmão de Abreu ficou encarregado de levar Maria Emília até o velório. No caminho, vendo todo aquele verde das árvores e o colorido das fachadas das lojas, ela planejava sua vida. Trocaria suas roupas sóbrias e seus sapatos de saltos baixos, por cores, ousadias e sensualidades.

      Queria voltar no tempo, naquele portão de sua casa, onde há cinco anos, pelo entusiasmo de Abreu que cobria-a de beijos e desejos, promessas e loucuras, e continuar aqueles sonhos, sem ser interrompida por seu pai. Queria abrir a braguilha da calça de seu próximo namorado e continuar ali mesmo, o prazer interrompido. Mas antes viajaria com seus filhos, para a praia, pegar conchinhas e tomar batida de maracujá. Fazer castelos de areia e depois desmanchar com os pés, correr até as ondas e voltar correndo, antes que alcançassem seus pés. Queria viver, rir, gargalhar, comer e se lambuzar um cachorro-quente vendido na barraquinha que ficava no centro da cidade. O aroma invadia-lhe as narinas todas as vezes que iam à missa. Seus filhos chegavam a babar, mas Abreu não permitia certas regalias, pois nem era comida de gente.

      Chegaram. Na porta, Maria Emília parou por um momento, olhou em todos, abaixou a cabeça e foi até o caixão. Passou as mãos no rosto pálido de Abreu, depois nas mãos que seguravam um terço, puxou uma cadeira e ali permaneceu, de cabeça baixa, até a hora do enterro. Sensação de missão cumprida, obediência e infelicidade. Olhou em sua mão esquerda e as duas alianças no dedo anular ofuscavam-lhe a vista. Seriam guardadas como única recordação de um casamento imposto. Cumpriu todo o protocolo de boa viúva de um santo homem.

      Descanse em paz, Abreu, porque agora é hora de viver, pensou Maria Emília.

      Fim.  

segunda-feira, 11 de maio de 2015

O Que Você Ganha É Suficiente?


A grande maioria responderá que não, que o que ganham não é o suficiente. A grande maioria trabalhadora, empregados com registro em carteira ou autônomos, que se viram para que o ganho seja suficiente para o básico do básico do mês. E pagam impostos, juros, tendo benefícios ineficientes, enfim, vida difícil.


Acho que este vídeo pode ser considerado o vídeo do ano. Na maior cara-de-pau este cidadão, que foi eleito pelo povo de sua cidade, Parauapebas/PA, confessou ser um dos milhares de corruptos que governam nosso país.

Este vídeo foi exibido no programa Encontro com Fátima Bernardes, Rede Globo. Não tem como não morrer de raiva de uma pessoa que tem a petulância de esfregar na nossa cara que seu humilde salário não cabe no seu mês. Ah, vá! Como foi dito no vídeo, ele teve a coragem de reclamar, mas sabemos e deixamos quieto, que a grande maioria dos eleitos também são corruptos.

Eu poderia escrever um texto enorme aqui, provando por A mais B que do jeito que está não pode ficar. Que tudo está encaminhando para o fracasso e a falência do Brasil. Estão conseguindo nos fazer uma lavagem cerebral e nos colocando como vaquinhas de presépio, quietinhos, em nossos lugares.

Tirem vocês a conclusão.

Eles estão lá porque nós os elegemos, nós votamos, nós confiamos...

Boa semana!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Quanto Vale Uma Vida?



Eu já fiz isso e creio que todos fazem: abrir mão de uma vida promissora, de um sonho, de um querer, de um gostar, por causa de outra pessoa, ou outras pessoas.

E a perguntar que não quer se calar: por que a vida do outro vale mais que a nossa?

Às vezes vivemos em função de não querer que o outro sofra, de não magoar, de não querer tanto algo com medo do sofrimento alheio, e a vida passa... E o outro continua vivendo...  Com uma mentira... Que mais cedo ou mais tarde aparece atropelando tudo...

Eu digo que já fiz, como mãe, e acho muito válido, afinal temos responsabilidades com filhos. Se os temos, é obrigação criá-los e educá-los da melhor maneira possível. São seres em formação e se não tiverem uma boa base, um chão firme, uma raiz profunda, criamos monstros ao invés de cidadãos idôneos.

Mas e as outras pessoas que vivem ao nosso redor? Será que a verdade é tão mais dolorida do que a falsidade? Por que nos travamos com medo de assumir uma decisão, algo que queremos tanto, por puro medo de magoar o outro?

Muitas vezes vivemos com um peso que nem é nosso, com uma responsabilidade que pode muito bem ser desfeita, com uma promessa que sabemos que não conseguiríamos cumprir por muito tempo. É como se entregássemos nossa vida nas mãos do outro para que ele faça dela o que bem entender. O outro em primeiro lugar, eu... Bem, eu fico no fim da lista, para quando for possível, para quem sabe surgir uma outra oportunidade, uma nova chance, um outro amor, um emprego mais vantajoso etc.

E a vida não para... E nada do que esperamos acontece, porque quando tudo que queremos bate a nossa porta simplesmente deixamos para depois, ou para lá.

É claro que temos que ter bom senso, caráter, educação, respeito em lidar com vidas, mas creio que não seja egoísmo querermos nos colocar em primeiro lugar. Se oportunidades nos aparecem, então são nossas, seja quais forem, e a verdade ainda é o melhor caminho para seguirmos uma vida feliz e realizada.

Outorgamos nossas vontades aos outros, ao outro... E a cobrança um dia aparece. E acaba sendo muito cara, com mais cobranças, de ambos os lados.

Beirando aos cinquenta anos, com a maturidade cada vez mais aflorada, quando vejo quantas oportunidades perdi, quantos sonhos destruí, quantos prazeres deixei de ter, por pura e simplesmente vontade do outro. Repito: não tem nada a ver com filhos. Filhos são nossas obrigações e não nosso fardo pesado. Por eles eu faria tudo de novo... Talvez de uma maneira diferente, mas me entregaria a eles, nos cuidados e educação, como sempre fiz.

É constrangedor vermos quem amamos sofrer por algo que provocamos por querer ser de outro jeito, seguir um outro rumo, ir em outro caminho, outra estrada, mas cada um tem sua vida. Cada um é único no Universo, com sua identidade própria, seus quereres e sonhos. Quando deixamos de lado algo que a vida nos deu, é como se por livre e espontânea vontade nos amarramos ao outro, por medo. A mentira acaba sendo mais forte do que a verdade.

Por outro lado não temos o direito de impedir o outro de seguir, caso queira, de tolher sua vida, seus sonhos, seus desejos... Não somos donos de ninguém, mesmo querendo muito que isso seja possível. Há casos de se viver como um robô, por medo de magoar, medo de dizer a verdade e mudar o rumo da vida. Somos egoístas quanto a isso. Também há casos de um querer viver a felicidade pelos dois. Como se tivéssemos um botão liga/desliga, a mercê da vontade do outro.

A maior prova de amor é deixar quem amamos livres... Para voar por onde quiser, e permanecer conosco por livre e espontânea vontade, por amor, por carinho, por respeito...

Quanto vale sua vida? A vida do outro vale mais que seus sonhos. que seus amores, sua satisfação e felicidade? Se você pudesse voltar alguns anos, aquela oportunidade, aquele seu amor intenso, aquele trabalho que lhe garantiria vida próspera, seriam deixados de lado por medo de magoar uma pessoa?

Uma ótima semana para todos!